quinta-feira, março 31, 2005

Longa estrada...

Engraçado como alguns textos mexem conosco. Esse texto do Guimarães Rosa sobre a estrada do amor não tem saído da minha cabeça há duas - intermináveis - semanas, e olhe que tem dois anos que eu o li. Impressionante como tentamos nos convencer que podemos chamar e esperar para sermos recebidas na casa do amor. E o engraçado é que temos consciência - às vezes - de que não é assim que as coisas funcionam e mesmo assim nos forçamos a esse grande e, de certa forma, prazeroso engano. Como disse O Bem Amado “o buraco é mais embaixo”.

quarta-feira, março 30, 2005

Estrada do amor

"Mas não era curta a viagem das Três Barras ao Saco-do-Sumidouro, tanto que houve tempo para pensar e sentir. Amplos campos navegantes; depois, o matomontano, onde pia o zabelê. Por aí, tive cansaço e vergonha de tudo o que antes eu dissera e fizera, e foram notáveis os meus pensamentos. O pio do zabelê é escondido e gemido. A estrada do amor, a gente já está mesmo nela, desde que não pergunte por direção nem destino. E a casa do amor - em cuja porta não se chama e não se espera - fica um pouco mais adiante.
- Éco! Éco! - gritavam os tucanos verdes.
- Óco! Óco! - ralhavam os tucano-açús."
João Guimarães Rosa - Minha Gente em Sarapalha.
"Observe que é preciso estar na estrada, mas não é curta a viagem. É preciso tempo para pensar e sentir, pois são amplos os campos por onde se tem que navegar. É por aí que se passa, depois, no lugar onde pia o zabelê, cujo pio é escondido e gemido, choroso, sofrido. É quando se tem vergonha de tudo quanto antes dissemos e fizemos, tentando forçar a chegada do amor. Não perguntando por direção nem destino - isto é, não querendo traçar a rota com o nosso querer, aí já estamos na estrada do amor. Observe bem: não sepo de querer tomar as rédeas da vida, é preciso que a gente deixe que ela vá correndo por onde quiser. Mas estando, assim, na estrada do amor, tem outro porém, para chegar à casa do amor o buraco é um pouco mais embaixo. Fica um pouco mais à frente, ainda lá não estamos. E ela, a casa do amor, apresenta uma propriedade notável - em sua porta não se bate nem se espera. Ela abre sozinha, e abre pronto, sem delongas, se tiver que abrir. Mas, se não tiver, ela não abre mesmo, e de nada adianta bater, nem ficar esperando...A razão é que, com muita freqüência, ou mesmo sempre, quando os tucanos verdes gritam eco, eco, os tucano-açus respondem oco, oco, ou seja a sua linguagem é outra, sempre outra, nunca aquela que esperamos."
"O Bem amado" em um email enviado para mim com a citação do Guimarães Rosa (acima), que eu lhe pedi, e o seu comentário sempre lindo e pertinente sobre o amor.

Soneto do Amor Total

Amo-te, meu amor... não cante
O humana coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinicius de Moraes (Rio, 1951)

Eu te amo

Se posso dizer a outrem, "Eu te amo", devo ser capaz de dizer: "Amo em ti a todos, através de ti amo o mundo, amo-me a mim mesmo em ti".
Erich Fromm em "A Arte de amar"