sábado, novembro 14, 2009

Por enquanto

"Trabalhei o dia inteiro, são dez para as seis. O telefone não toca. estou sozinha. Sozinha no mundo e no espaço. E quando telefono, o telefone chama e ninguém atende. Ou dizem: está dormindo.
A questão é aguentar. Pois a coisa é assim mesmo. Às vezes não se tem nada a fazer e então se faz pipi.
Mas se Deus nos fez assim, que assim sejamos. De mãos abanando. Sem assunto.
...
Que faço? telefono a mim mesma? Vai dar um sinal de ocupado, eu sei, uma vez já liguei distraída para o meu próprio número. Como acordo quem está dormindo? como chamo quem eu quero chamar?o que fazer? Nada:porque é domingo e até Deus descansou. Mas eu trabalhei sozinha o dia inteiro.
...
Quando a gente comeá a se perguntar: para quê? então as coisas não vão bem. E eu estou me perguntando para quê. Mas bem que sei que é apenas "por enquanto". São vinte para as sete. E para que é que são vinte para as sete?
...
Mas a gente fuma e melhora logo. São cinco para as sete. Se me descuido, morro. É muito fácil. É uma questão do relógio parar. Faltam três minutos para as sete. Ligo ou não ligo a televisão? Mas é que é tão chato ver televisão sozinha.
Mas finalmente resolvi e vou ligar a televisão. A gente morre às vezes."

Via crucis do corpo - Clarice Lispector

1 Comments:

At 19 novembro, 2009 15:35, Anonymous Anônimo said...

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