quarta-feira, março 30, 2005

Estrada do amor

"Mas não era curta a viagem das Três Barras ao Saco-do-Sumidouro, tanto que houve tempo para pensar e sentir. Amplos campos navegantes; depois, o matomontano, onde pia o zabelê. Por aí, tive cansaço e vergonha de tudo o que antes eu dissera e fizera, e foram notáveis os meus pensamentos. O pio do zabelê é escondido e gemido. A estrada do amor, a gente já está mesmo nela, desde que não pergunte por direção nem destino. E a casa do amor - em cuja porta não se chama e não se espera - fica um pouco mais adiante.
- Éco! Éco! - gritavam os tucanos verdes.
- Óco! Óco! - ralhavam os tucano-açús."
João Guimarães Rosa - Minha Gente em Sarapalha.
"Observe que é preciso estar na estrada, mas não é curta a viagem. É preciso tempo para pensar e sentir, pois são amplos os campos por onde se tem que navegar. É por aí que se passa, depois, no lugar onde pia o zabelê, cujo pio é escondido e gemido, choroso, sofrido. É quando se tem vergonha de tudo quanto antes dissemos e fizemos, tentando forçar a chegada do amor. Não perguntando por direção nem destino - isto é, não querendo traçar a rota com o nosso querer, aí já estamos na estrada do amor. Observe bem: não sepo de querer tomar as rédeas da vida, é preciso que a gente deixe que ela vá correndo por onde quiser. Mas estando, assim, na estrada do amor, tem outro porém, para chegar à casa do amor o buraco é um pouco mais embaixo. Fica um pouco mais à frente, ainda lá não estamos. E ela, a casa do amor, apresenta uma propriedade notável - em sua porta não se bate nem se espera. Ela abre sozinha, e abre pronto, sem delongas, se tiver que abrir. Mas, se não tiver, ela não abre mesmo, e de nada adianta bater, nem ficar esperando...A razão é que, com muita freqüência, ou mesmo sempre, quando os tucanos verdes gritam eco, eco, os tucano-açus respondem oco, oco, ou seja a sua linguagem é outra, sempre outra, nunca aquela que esperamos."
"O Bem amado" em um email enviado para mim com a citação do Guimarães Rosa (acima), que eu lhe pedi, e o seu comentário sempre lindo e pertinente sobre o amor.

2 Comments:

At 11 agosto, 2005 12:12, Anonymous Anônimo said...

I love you! Quem é voce, que tem uma sensibilidade como essa?

Parabéns! Amei ler sua análise.

Zaslas@hotmail.com

 
At 28 agosto, 2007 17:19, Anonymous Anônimo said...

Adorei! Temos tantas estradas de amor para percorrer...e que caminhada gostosa para ver o rosto no meu(nosso) Senhor!
Filó

 

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