quarta-feira, novembro 23, 2005

Ana Terra

Ana Terra - Parte I
“...O agudo do som do instrumento penetrou Ana Terra como uma agulha, e ela se sentiu ferida, trespassada. Mas notas graves começaram a sair da flauta e aos poucos Ana foi percebendo a linha da melodia...Reagiu por alguns segundos, procurando não gostar dela, mas lentamente se foi entregando e deixando embalar. Sentiu então uma tristeza enorme, um desejo de chorar.
...Foi então que deu com os olhos de Pedro e daí por diante, por mais esforços que fizesse não conseguiu desviar-se deles. Parecia-lhe que a música saía dos olhos do índio e não da flauta – morna, tremida e triste como a voz de uma pessoa infeliz.
...No momento em que ele abriu a porta, Ana terra por um instante viu, ouviu e sentiu a chuva, o vento, a noite e a solidão.”

Ana Terra – ParteII
“...E agora ali no calor do meio-dia, ao som daquela música, voltava-lhe intenso como nunca o desejo de homem. Pensava nas cadelas em cio e tinha nojo de si mesma. Lembrava-lhe das vezes que vira touros cobrindo vacas e sentia um formigueiro de vergonha em todo o corpo. Mas esse formigueiro era ainda desejo. Decerto a soalheira era culpada de tudo. A soalheira e a solidão. Pensou em ir tomar um banho no poço. Não; banho depois da comida faz mal, e mesmo ela não agüentaria a caminhada até a sanga, sob o fogo do sol. A sanga era Pedro. Para chegar até a água teria que passar pela barraca do índio, correria o risco de ser vista por ele.
...Porque na verdade ela odiava-o. Pensou nos beiços de Pedro nos teus seios. Aquela música saía do corpo de Pedro e entrava no corpo dela...Oh! Mas ela odiava o índio. Tinha-lhe nojo. Pedro era sujo. Pedro era mau. Mas, apesar de odiá-lo, não podia deixar de pensar no corpo dele, na cara dele, no cheiro dele – aquele cheiro que ela conhecia das camisas – não podia, não podia, não podia...”

Erico Veríssimo em O Tempo e o Vento